Delfim Netto
Faleceu, hoje, Antonio Delfim Netto. A verdade é que Delfim como economista foi infinitesimalmente pequeno, especialmente quando comparado com o que foi como político. Como político, Delfim foi gigante — não necessariamente no sentido positivo da palavra. Delfim era, sobretudo, um gerente do poder. Sabia agradar quem importava, gerenciar pessoas e aparelhar o estado espalhando inteligentemente seus cupinchas — todos muito sabiamente selecionados — nos postos de maior importância da administração pública, tudo isto ao sabor de seus interesses. Nisto, era mestre; era gênio.
Se para o bem ou para o mal, cabe ao julgamento de cada um; mas foi este talento político que lhe permitiu sair de office boy da Gessy para se estabelecer na mais alta hierarquia do poder público por tanto tempo, por tantos cargos e por tantos governos. Foi este talento que lhe ergueu ao eterno posto de shadow governor, de conselheiro emérito de tantos governos até o fim de sua vida — mesmo enquanto não ocupava mais, formalmente, qualquer cargo. É disto, e fundamentalmente disto, que deriva a carreira e a reputação de Antonio Delfim Netto.
Delfim teve participação importante na formação da economia acadêmica no Brasil, é verdade; mas, stricto sensu, seu destaque definitivamente não se deve às suas atividades como acadêmico. Delfim foi — e segue sendo — idolatrado sobretudo por suas atividades políticas. E, mais do que isso, por ter sabido utilizá-las para distribuir, muito sábia e inteligentemente, os dividendos de seu tão duradouro poder: dividiu entre ex-alunos, empresários, industrialistas, políticos e jornalistas. Com o seu talento, soube escolher a dedo os mais fiéis e mais convenientes, que, com o tempo, retribuíram também com dividendos, contribuindo para a manutenção de seu poder e para a conservação de sua memória. Um rei com tantos e tão fiéis e poderosos amigos dificilmente seria um dia esquecido ou mal lembrado por seus pares. É a sociedade secreta dos mútuos elogios; do rabo preso.
É preciso compreender, portanto, que qualquer julgamento moral relativo ao legado de Delfim deve partir da concordância de que Delfim foi, para todos os efeitos práticos, um grande político — e não um grande economista. Assim sendo, qualquer discussão relativa à separação de sua vida e de sua obra deve considerar, antes de tudo, que a obra de Delfim foi, fundamentalmente, a sua própria vida política — e jamais as suas contribuições econômicas. Isto posto: cabe a cada um julgá-lo como bem entender.